quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Transposição tira água de quem tem sede na divisa de PE com CE




















Criada com a promessa de levar água para cinco Estados nordestinos, a Transposição do São Francisco está produzindo o efeito contrário em algumas partes do semiárido da região, que enfrenta a pior seca dos últimos 50 anos.
Na divisa entre Pernambuco e Ceará, as obras de um canal no lote 4 foram paralisadas e destruíram o único manancial que abastecia o distrito de Montevidéu, área de Pernambuco, pertencente ao município de Salgueiro, deixando a população sem água.
Do canal, nenhum sinal. O que resta por ali é um rastro de destruição, do paredão do açude do Oliveira, que tinha capacidade para armazenar 10 milhões de metros cúbicos de água, ao seu leito, agora esturricado.

















Amargurado e deprimido, “seu” Manoel Oliveira, o dono das terras onde havia água para abastecer Montevidéu, vive agora deitado numa rede, vendo o tempo passar. A depressão vem não apenas da água parda, que era abundante, mas também das criações – 50 cabeças bovinas e mais de 60 ovelhas.
Abatido e sofrido, entregou ao filho Epaminondas Ferreira, o Galego de Oliveira, a triste sina de resolver a pendenga judicial resultante do processo de indenização de suas terras. O DNOCS pagou apenas R$ 39 mil pelas terras invadidas no açude e deve mais R$ 50 mil, parte esta já ajuizada na Justiça.
Em toda a sua história de mais de 80 anos, a pequena vila de Montevidéu nunca havia passado privações por parte de água. “Este açude nunca secou, nem na mais longa seca que enfrentamos há 10 anos”, diz Galego de Oliveira.

















Com a destruição da reserva de água, a população de Montevidéu passou a depender da boa vontade da vizinha cidade de Penaforte, já no Estado do Ceará, de quem é separada apenas por uma rua.
“A transposição cometeu um crime contra a gente. Nunca ficamos dependendo do Ceará para ter água em casa”, revela Afonso de Sebastião, que trabalha no posto de saúde da comunidade, que pela manhã, pelo menos até às 11 horas, não havia sido procurado por ninguém da vila, sequer para medir a pressão.
Na pequena Montevidéu, que não tem calçamento, apenas duas ruas e falta de tudo, de médico a água, ninguém tem mais esperança de que as obras do canal da Transposição venham a ser retomadas.

















Mas Galego de Oliveira, cujo pai perdeu as terras e abandonou a fazenda por falta de água, tem esperança de pelo menos receber a indenização da parte restante que o DNOCS não cumpriu. “Estamos esperando uma sinalização do DNOCS e confiantes que o restante da nossa indenização sai”, diz ele.
A empreiteira que cuidou de tirar o canal do papel não deixou por lá nem sinal de que um dia ali existiu um canteiro de obras. Deixou, sim, uma imensa cratera aberta nas proximidades e, consequentemente, uma represa de água imprópria para o consumo, com cheiro e gosto de pólvora, material usado na destruição do paredão e na explosão das pedreiras que cederiam lugar ao canal.
“O Governo não tem noção do mal que fez a nós com essa transposição”, desabafa o agricultor Antônio Joaquim dos Santos, encontrado em cima de uma carroça transportada por um burro conduzindo um tonel de água da única fonte que restou a Montevidéu: o do pequeno lago artificial de água cheirando a pólvora.

















“O cheiro é insuportável e tem muito sal”, acrescenta Joaquim, adiantando que a água captada serve apenas para os afazeres domésticos. “A gente tem medo até de dar para os animais por causa do teor do chumbo e da pólvora”, afirma, por sua vez, Antônio Luiz do Nascimento, encontrado na luta incessante por um balde de água.
Montevidéu tem uma característica ímpar: embora esteja encravada em solo pernambucano, quem a visita é obrigado a entrar pelo Ceará e cruzar a cidade de Penaforte, para então chegar ao seu destino. Sua população é uma mistura de pernambucanos e cearenses, que se confundem.
E que dependem muito mais dos serviços básicos da vizinha Penaforte, que tem uma população estimada em 20 mil habitantes. “De Pernambuco, a gente depende muito pouco. Médico e hospital a gente recorre a Penaforte e até a água, que nos tiraram com o crime da Transposição, a gente agora se socorre no Ceará”, desabafa Maria do Socorro da Silva, que não sabe o que é água nas torneiras há mais de seis meses.

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